...A PACIÊNCIA DE DEUS NÃO TEM LIMITES, MAS HÁ MOMENTOS EM QUE A SUA PACIÊNCIA DÁ LUGAR AS SUAS JUSTAS AÇÕES... Anderson Ribeiro

24 de junho de 2010

A COGNOSCIBILIDADE DE DEUS

Será que podemos realmente conhecer a Deus?

Quanto de Deus podemos conhecer?

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

I. A NECESSIDADE DE DEUS SE REVELAR A NÓS

        Se pretendemos conhecer a Deus, antes é necessário que ele se revele a nós. Mesmo discutindo a revelação de Deus que vem da natureza, Paulo diz que o que podemos conhecer sobre Deus está claro às pessoas "porque Deus lho manifestou" (Rm 1.19). A criação natural revela Deus porque ele mesmo decide revelar-se assim.
        Quando falamos do conhecimento pessoal de Deus, que vem pela salvação, essa idéia fica ainda mais explícita. Disse Jesus: "ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11.27). Esse tipo de conhecimento de Deus não se encontra por sabedoria ou esforço humanos: "Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria' (ICo 1.21; d. ICo 2.14; 2Co 4.3-4; Jo 1.18).
       A necessidade de Deus revelar-se a nós também se percebe no fato de que o pecador interpreta erroneamente a revelação de Deus encontrada na natureza. Aqueles que "detêm a verdade em injustiça" são os que "se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato [ ... ] pois mudaram a verdade de Deus em mentira" (Rm 1.18,21,25). Portanto, precisamos das Escrituras para interpretar corretamente a revelação natural. Centenas de falsas religiões pelo mundo afora são provas de que os pecadores, sem orientação das Escrituras, sempre compreendem erradamente e distorcem a revelação de Deus encontrada na natureza. Mas só a Bíblia nos diz como compreender o testemunho que a natureza dá de Deus. Por conseguinte, dependemos da ativa comunicação divina nas Escrituras para alcançar verdadeiro conhecimento de Deus.

II. JAMAIS PODEREMOS COMPREENDER PLENAMENTE A DEUS

        Como Deus é infinito, e nós, finitos e limitados, jamais poderemos compreender plenamente a Deus. Nesse sentido, podemos dizer que Deus é incompreensível ou seja, "que não pode ser plenamente compreendido". Esse sentido precisa ser claramente distinguido do significado mais comum, "que não pode ser compreendido". Não é verdade dizer que Deus não pode ser compreendido, mas, sim, dizer que ele não pode ser compreendido plena ou exaustivamente.
        Diz o salmo 145: "Grande é o SENHOR e mui digno de louvor; e a sua grandeza, inescrutável' (SI 145.3). A grandeza de Deus está além do sondável ou do decifrável: é tão enorme que não pode ser plenamente conhecida. Com respeito ao entendimento de Deus, diz o salmo 147: “Grande é o nosso SENHOR e de grande poder; o seu entendimento é infinito” (SI147.5). Jamais seremos capazes de medir ou conhecer plenamente o entendimento de Deus: é imenso demais para que o igualemos ou entendamos. Igualmente, pensando no conhecimento que tinha Deus de todos os seus caminhos, diz Davi: "Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta,que não a posso atingir” (SI 139.6; cf. v. 17).
        Paulo aponta para essa incompreensibilidade de Deus quando diz que "o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus"; depois afirma ainda que "as coisas¹ de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus" (I Co 2.10-12). Ao final de uma longa discussão acerca da história do grandioso plano divino de redenção, Paulo irrompe em louvor: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!" (Rm 11.33).
        Esses versículos permitem-nos levar o nosso entendimento da incompreensibilidade de Deus um passo adiante. Não só é verdade que jamais poderemos compreender plenamente a Deus; é verdade também que jamais poderemos compreender plenamente nem mesmo uma só coisa acerca de Deus. Sua grandeza (SI 145.3), seu entendimento (SI 147.5), seu conhecimento (SI 139.6), sua riqueza, sabedoria, juízos e caminhos (Rm 11.33) estão todos além da nossa capacidade de compreensão plena. Outros versículos também sustentam essa idéia: assim como os céus são mais elevados do que a terra, também são os caminhos de Deus mais elevados do que os nossos caminhos, e seus pensamentos, que nossos pensamentos (Is 55.9). Diz Jó que os grandes atos divinos na criação e preservação da terra "são apenas as orlas dos seus caminhos", e exclama: "e quão pouco é o que temos ouvido dele! Quem, pois, entenderia o trovão do seu poder?" Jó 26.14; cf. 11.7-9; 37.5).
        Assim, podemos conhecer algo do amor, do poder, da sabedoria, etc., de Deus. Mas jamais poderemos conhecer completa ou exaustivamente o seu amor. Jamais poderemos conhecer exaustivamente o seu poder. Jamais poderemos conhecer exaustivamente a sua sabedoria, etc. A fim de conhecer exaustivamente uma única coisa de Deus, teríamos de conhecê-lo como ele mesmo se conhece, ou seja, teríamos de conhecer tal coisa na sua relação com tudo o mais de Deus e na sua relação com tudo o mais da criação por toda a eternidade! Diante disso, só nos resta exclamar com Davi: "Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta, que não a posso atingir" (SI 139.6).
        Essa doutrina da incompreensibilidade de Deus tem muita aplicação positiva para nossa vida. Significa que jamais seremos capazes de conhecer "demais" sobre Deus, pois jamais nos faltarão coisas para aprender sobre ele, e assim nunca nos cansaremos de nos deleitar com a descoberta de mais e mais coisas da sua excelência e da grandeza das suas obras.
        Mesmo na era futura, quando nos veremos livres da presença do pecado, jamais seremos capazes de, plenamente, conhecer a Deus nem coisa alguma sobre ele. Isso se depreende do fato de que as passagens citadas acima atribuem a incompreensibilidade de Deus não à nossa condição pecadora, mas à infinita grandeza divina. Porque somos finitos e Deus, infinito, jamais poderemos compreendê-lo plenamente.² Por toda a eternidade poderemos aumentar o nosso conhecimento de Deus, deleitando-nos cada vez mais nele, dizendo com Davi à medida que formos conhecendo mais e mais os próprios pensamentos e Deus: "E quão preciosos são para mim, ó Deus, os teus pensamentos! Quão grande é a soma deles! Se os contasse, seriam em maior número do que a areia" (SI 139.17-18).
        Mas se é assim na eternidade futura, certamente deve ser também assim nesta vida. De fato, Paulo nos diz que se pretendemos viver "andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo", então precisamos viver continuamente "crescendo no pleno conhecimento de Deus"(CI 1.10). Devemos crescer no nosso conhecimento de Deus durante toda a nossa vida.
        Se desejássemos um dia nos igualar a Deus em conhecimento, ou se desejássemos encontrar prazer no pecado do orgulho intelectual, o fato de que jamais cessaremos de crescer no conhecimento de Deus seria para nós fator desencorajador – poderíamos sentir-nos frustrados pelo fato de Deus se revelar um objeto de estudo que jamais poderemos dominar! Mas se nos deleitamos no fato de que só Deus é Deus, de que ele é sempre infinitamente maior do que nós, de que somos criaturas dele, que lhe devemos culto e adoração, então essa nos será uma idéia bastante encorajadora. Ainda que todos os dias da nossa vida dediquemos algum tempo ao estudo bíblico e à comunhão com Deus, sempre haverá mais por aprender sobre Deus e sobre suas relações conosco e com o mundo e sempre mais motivos para agradecer e para louvá-lo. Se percebemos isso, a perspectiva de um hábito regular e duradouro de estudo bíblico, e mesmo a perspectiva de toda uma vida de estudo teológico (se é teologia solidamente arraigada na Palavra de Deus), torna-se-nos algo bastante empolgante. Estudar e ensinar a Palavra de Deus tanto formal como informalmente será sempre um grande privilégio e uma grande alegria.

III. PODEMOS, PORÉM, CONHECER A DEUS DE MODO VERDADEIRO

        Embora não possamos conhecer exaustivamente a Deus, podemos conhecer coisas verdadeiras sobre ele. De fato, tudo o que as Escrituras nos falam sobre Deus é verdadeiro. É verdade dizer que Deus é amor (IJo 4.8), que Deus é luz (IJo 1.5), que Deus é espírito ( Jó 4.24), que Deus é justo ou reto (Rm 3.26) e assim por diante. Dizer isso não implica nem exige que saibamos tudo sobre Deus, ou sobre seu amor, ou sobre sua justiça ou sobre qualquer outro atributo. Quando digo que tenho três filhos, essa afirmação é integralmente verdadeira, ainda que eu não saiba tudo sobre os meus filhos, nem sequer sobre mim mesmo. Assim também é o nosso conhecimento de Deus: temos conhecimento verdadeiro dele com base nas Escrituras, ainda que não tenhamos conhecimento exaustivo. Podemos conhecer alguns pensamentos de Deus – até muitos deles – com base na Bíblia, e quando os conhecemos, como Davi, os consideramos "preciosos" (SI 139.17).
        Ainda mais significativo é perceber que conhecemos o próprio Deus, e não meramente fatos sobre ele ou atos que ele executa. Fazemos distinção entre conhecer fatos e conhecer pessoas no nosso uso corriqueiro da língua. Para mim seria verdadeiro dizer que conheço muitos fatos sobre o presidente do Brasil, mas não seria verdade se eu dissesse que conheço o presidente. Dizer que o conheço implicaria que já o encontrei e conversei com ele, e que com ele tenho pelo menos algum grau de relacionamento pessoal.
        Ora, algumas pessoas dizem que não podemos conhecer o próprio Deus, mas somente fatos sobre ele ou o que ele faz. Outros dizem que não podemos conhecer a Deus como ele é em si, mas somente na sua relação conosco (e aqui está implícito que essas duas coisas são de algum modo diferentes). Mas as Escrituras não afirmam isso. Várias passagens falam que podemos conhecer o próprio Deus. Lemos as seguintes palavras de Deus em Jeremias:
“Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR” Jr 9.23-24).
        Aqui Deus diz que a fonte da nossa alegria e da nossa noção de importância deve vir não das nossas capacidades ou posses, mas do fato de conhecê-lo. Igualmente, ao orar ao Pai, Jesus pôde dizer: "E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste" Jo 17.3). A promessa da nova aliança é que todos conheçam a Deus, "desde o menor deles até ao maior" (Hb 8.11), e a primeira epístola de João nos diz que o Filho de Deus veio e nos deu entendimento "para conhecermos o que é verdadeiro" (IJo 5.20; ver também Gl 4.9; Fp 3.10; IJo 2.3; 4.8).João pode dizer: " ... escrevo-vos, porque conhecestes aquele que é desde o princípio" (IJo 2.13).
        O fato de conhecermos o próprio Deus é demonstrado ainda pela percepção de que a riqueza da vida cristã envolve um relacionamento pessoal com Deus. Como sugerem essas passagens, temos privilégio bem maior do que o mero conhecimento de fatos acerca de Deus. Falamos com Deus em oração, e ele fala conosco pela sua Palavra. Temos comunhão com ele na sua presença, entoamos seus louvores e temos consciência de que ele pessoalmente habita no meio de nós e dentro de nós para nos abençoar (Jo 14.23). De fato, pode-se dizer que esse relacionamento pessoal com Deus – o Pai, o Filho e o Espírito Santo é a maior de todas as bênçãos da vida cristã.

NOTAS

1. A KjV dá "coisas", traduzindo de modo bem literal a expressão grega ta tou theou. As versões RSV, NIV e NASB dão a palavra pensamentos, pois a expressão paralela no v. 11, ta tou anthrõpou ("as coisas do homem"), parece exigir que insiramos a palavra pensamentos como necessária ao contexto. Mas em sua menção das "profundezas de Deus" no v. 10, Paulo dá a entender que os vv. 10 e 12 referem-se não só aos pensamentos de Deus, mas a todo o ser de Deus.
2. ICo 13.12 não contradiz isso: "Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido". A palavra "conhecerei" é simplesmente uma tentativa de traduzir epiginõskõ, que dá a entender um conhecimento mais profundo ou exato (talvez, contrastando com o presente conhecimento parcial, um conhecimento isento de erro ou falsidade). Paulo jamais diz algo como: "Então conhecerei todas as coisas", que teria sido bem fácil de dizer em grego (tote epignõsomai ta panta) , se assim o quisesse.


Fonte: GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Ed. Vida Nova, São Paulo – 1999.

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